Moby Dick_____________- Moby Dick

Em 1851, cinco anos antes do nascimento de Freud, o romancista e poeta norte-americano, Herman Melville, publicava seu livro intitulado Moby Dick, a Baleia. O romance não teve boa aceitação por parte dos críticos nem por parte do público. Ao contrário de seus primeiros livros, que o lançaram à fama, com este livro sobre um certo Capitão Ahab e sua obsessão em perseguir uma baleia branca, um cachalote chamado Moby Dick, tem início seu declínio. Todavia, em 1919, muitos anos após seus falecimento, críticos o fazem ressurgir da escuridão do oceano profundo e hoje este livro é considerado uma das melhores obras da história da literatura norte-americana e mundial. Aqui irei buscar na estrutura e conteúdo do romance Moby Dick, uma similaridade com o processo de autoanálise e outras implicações acerca da Psicanálise de Freud.

 

O que é, de fato, o livro Moby Dick, a Baleia?

Ao longo dos anos esse romance passou por adaptações, traduções, resumos ou conversões para outras formas de arte como o cinema ou até mesmo o teatro. Nesse processo, inevitavelmente reducionista, sempre foi centralizado unicamente a caça à baleia Moby Dick por um enlouquecido Capitão Ahab, mas o livro é muito mais que isso. A essência, desenvolvimento e análise de todo seu conteúdo, do começo ao fim, é feita por seu narrador, um marinheiro.

 

Ida para o mar, início de uma autoanálise

O livro Moby Dick é escrito na primeira pessoa, ou seja, o narrador de toda a história, da primeira à última página, é um personagem do livro e chama-se Ismael. Ele inicia o romance narrando que, sempre que começa a se perceber depressivo, com um certo tédio, quando sente que a hipocondria o ataca ou então começa a parar involuntariamente em velórios, é hora de ir para o mar. Apresenta-se assim uma verdadeira necessidade de introspecção pois, ao embarcar no navio, é como se deixasse tudo em terra firme e adentrasse seu mais profundo ser. É como se ele se percebesse doente e buscasse uma cura, um meio pelo qual se curasse do que estava sentindo. Por meses e meses irá ter por companheiros apenas a tripulação e, por horizonte, apenas a linha que divide o céu do mar. Ismael passa a analisar tudo que envolve o dia-a-dia da tripulação às voltas com seus afazeres e reflete também sobre todas as emoções humanas envolvidas entre todos, e dele consigo mesmo. Ele deixa a terra, onde não consegue viver, e entrega-se ao mar. Assim, é como se Ismael, se retirasse do convívio das pessoas em terra e passasse a ser um indivíduo tentando se conhecer, se curar de algo que não consegue compreender. Como uma pessoa entrando em processo de autoanálise.

 

Ego , Id e Superego em Moby Dick

Pensando na segunda tópica do modelo estrutural do aparelho psíquico de Freud, o Ego pode ser visto como Ismael e toda a tripulação; o Id como Moby Dick, a baleia indomável e desconhecida nas profundezas de um oceano também cheio de outros mistérios; e o Superego pode surgir na figura do Capitão Ahab, movido por um único objetivo, subjugar a baleia. O Capitão Ahab surge como a força que quer cercear o poder da baleia. Toda a tripulação irá, o tempo inteiro, buscar uma maneira de mediar, integrar as ameaças do Capitão Ahab com as pulsões da grande baleia branca, Moby Dick, e também de todas as forças do mar. É como se a tripulação, o navio e todo o oceano profundo com o cachalote e todos os seus seres desconhecidos fosse uma única coisa, um único indivíduo, uma única psique humana.

 

 

Caso não possa controlar, eu me defenderei

À época do lançamento do livro os críticos apontaram erros de estrutura, dizendo que o Moby Dick iniciava claramente como uma narrativa em primeira pessoa, mas, por vezes, conforme a conveniência, tornava-se uma narrativa na terceira pessoa, onisciente, ou seja, capaz de estar a par de tudo que todos os personagens pensam. Buscando aqui mais uma vez um paralelo com a Psicanálise de Freud, essa mudança de narrativa pode ser considerada um mecanismo de defesa do Ego, uma maneira de Racionalização para dar cabo de conteúdos incompreendidos. Como narrador na primeira pessoa, o personagem, no caso Ismael, não pode saber o que se passa na mente do Capitão Ahab! Assim, utilizando-se da narrativa onisciente, o autor, Herman Melville, ele mesmo assumindo o papel de mecanismo de defesa, passa a controlar a situação manipulando racionalmente o pensamento de todos através da narrativa onisciente.

 

Freud e sua autoanálise

Como um mar-oceano por desbravar, entre os anos de 1897 e 1899, Freud adentra seu mais profundo ser, inicia o período conhecido como “esplêndido isolamento”, busca analisar seus próprios sonhos, suas memórias infantis mais profundas e entra em processo de autoanálise, da qual emergirá com seu livro A Interpretação dos Sonhos, publicado em 1900. É como se ele deixasse a terra e fosse para o mar aberto de dentro de seu ser, como se partisse à procura de seus sentimentos mais inconscientes, baleias escondidas no oceano profundo, analisando suas emoções a partir dessa vivência e buscando incansavelmente entendê-las.

 

O final derradeiro

Ao final do livro de Herman Melville, há o derradeiro embate do Capitão Ahab com Moby Dick, mediado, no que é possível, pela tripulação. Após uma longa batalha, baleia, capitão e marinheiros vão em redemoinho para o fundo do mar. Apenas emerge à superfície, Ismael, que consegue se salvar, flutuando agarrado a uma madeira, num mar enfim calmo, até que um navio o resgata e ele então passa a ser o único sobrevivente de toda a odisseia, e também futuro contador de toda a história. Da mesma maneira, Freud emerge de todo seu inconsciente de sonhos, memórias infantis profundas e associações livres de ideias e fatos, e nos trás … a Psicanálise.

 

Miragens

Ismael, ainda no primeiro capítulo, diz que todas as pessoas têm uma fascinação misteriosa e incontrolável pelo mar, pelo oceano, como se buscássemos uma imagem perdida, algo que nos falta. Freud nos mostrou que também temos a mesma fascinação, o mesmo vínculo com o Inconsciente, fascinação por alguma imagem misteriosa nele submersa, dissimulada, oculta. E Ismael diz profeticamente neste primeiro capítulo chamado (muito apropriadamente para a nossa similaridade de conteúdo com a Psicanálise) de “Miragens” :

“Mas essa mesma imagem, nós mesmos a vemos em todos os rios e oceanos. É a imagem do inagarrável fantasma da vida; e essa é a chave de tudo.” (Moby Dick – de Herman Melville – Editora Abril – 1972 – Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos – página 27)