Freud e a Arte ________- Freud e a Arte

Freud revolucionou o pensamento vigente desde meados do século XIX, por todo o início do século XX e até sua morte. A partir dele houve psicanalistas dissidentes, que optaram por novos caminhos, e outros, colaboradores, que avançaram em suas teorias. A Psicanálise, como um todo, criou vida própria e se tornou uma das ciências mais emblemáticas do século XX.

 

As ideias de Freud ganham o pensador comum

A maioria das ciências, conforme vão se tornando mais complexas e se sofisticando, tendem a se afastar do público leigo, tornam-se domínio de especialistas que acabam por inevitavelmente segregar o conhecimento entre seus pares. Todavia, os conceitos de Freud acerca dos Sonhos, do Inconsciente, da Sexualidade e dos Atos-falhos tornaram-se conhecidos e atingiram um enorme número de pessoas, aproximando-se muito do público leigo ao redor de todo o globo terrestre. Podendo, de alguma maneira, maior ou menor, segundo o nível de informação, ser apreciado, comentado, refletido, ou pelo menos citado, por todo tipo de pessoa.

 

Em dois anos, dois livros irão mudar o mundo para sempre

Com os livros de Freud, A Interpretação dos Sonhos (1900) e Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), todas as pessoas, não somente as que apresentam sintomas psicossomáticos, passaram a poder usufruir de suas teorias e nelas se encaixar e inserir de alguma maneira. A curiosidade por assuntos tão intrigantes e instigantes como os sonhos ou a sexualidade, rapidamente gerou a vontade por entender ou pelo menos se aproximar de suas teorias.

 

Freud e a Arte

Na Arte, a influência de Freud foi absoluta para pintores como Salvador Dali, Magritte e tantos outros que se valeram dos sonhos para edificar um dos movimentos mais conhecidos da História da Arte, o Surrealismo. Mas as ideias de Freud não tiveram apenas um efeito contemporâneo e que se prolonga até hoje, todo seu pensamento teve também um efeito retroativo. Tudo o que foi feito em termos de Arte passou a poder ser analisado sob seus pontos de vista. Dessa maneira, Freud também promoveu uma nova leitura sobre o Homem, sobre tudo o que o Homem fizera até então. Temos assim, todo um velho novo mundo por redescobrir, por analisar, por desvendar e fazê-lo parte do que somos hoje, nos tornarmos parte dele.

 

Esquecido e resgatado para sempre

Hoje temos a história de todas as áreas do conhecimento extremamente difundida e compartimentada em períodos, etapas de desenvolvimento e os autores e personalidades que a fizeram. Hoje a Internet globaliza o conhecimento e estamos praticamente sem fronteiras quando se trata de ter acesso à informação. Mas não foi sempre assim. Na História da Arte muitos pintores foram completamente esquecidos após o seu falecimento ou então foram relegados a um plano secundário ou mesmo inexistente. Isso aconteceu com uma das figuras que hoje consideramos de uma extrema riqueza. Estou falando de Hieronymus Bosch, pintor holandês que nasceu em Hertogenbosch em 1450 e faleceu em 1516. Considera-se, pela falta de registros, que nunca tenha saído de sua cidade natal, todavia, em sua obra, realizou uma das maiores viagens que o ser humano pode fazer, uma viagem ao mundo do imaginário, do fantástico e dos sonhos. Suas obras contém uma complexa rede de símbolos, cenas de pecado e tentação, alusões à alquimia e todo um arsenal de possibilidades de experimentações em termos de sexualidade. Dentro deste panorama, qualquer psicanalista precisará de toda a sua vida para discernir a enorme gama de representações desse pintor, tamanha é a sua originalidade, profundidade e quantidade de detalhes em suas obras a se considerar. Em termos de ausência de julgamento e sentir-se livre para pintar e expressar o que lhe vier à mente, essência do método de Associação Livre de Freud, Bosch parece ser exemplar pois em seus quadros ele parece expor absolutamente todas as imagens que lhe veem à mente e que são produzidas diretamente pelo seu inconsciente, sem censura, repressão ou julgamento. Para citar apenas um exemplo recorrerei ao tríptico chamado Jardim das Delícias. Neste quadro pode-se ver uma vasta quantia de possibilidades sexuais envolvendo pessoas, animais, demônios, santos e até elementos botânicos. Também pode-se apreciar na terceira parte, a que se refere ao Inferno, todo tipo de tortura, depravação, masoquismo e sadismo. Muitas possibilidades de satisfação do desejo podem ali ter um paralelo ou encontrar um eco, por menor que seja. Bosch torna-se então um dos mais perfeitos exemplos de sublimação de desejos em forma de arte. Um pintor que estará para sempre testando a capacidade de análise de qualquer psicanalista sem jamais se esgotarem as possibilidades.

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Chiaroscuro – Consciente e Inconsciente

Um outro pintor, também holandês, é Rembrandt (1606-1669). Ele se caracterizou principalmente por estabelecer suas figuras em pontos de luminosidade em contraposição à grandes partes da obra em plena escuridão, como se a cena ou pessoas envolvidas no quadro estivessem emergindo do escuro, aquilo que, em termos de expressões italianas utilizadas por historiadores e críticos de arte chama-se de chiaroscuro (claro-escuro). A analogia com a obra de Freud estabelece-se quando pensamos no Inconsciente, todo ele está mergulhado numa grande escuridão, nos impedindo de discernir exatamente aquilo que está do lado obscuro da obra. Um exemplo é o quadro O Filósofo pensando. Trata-se de uma obra belíssima produzida apenas em ricos tons de terra que vão do amarelo ao marrom mais escuro. Retrata do lado esquerdo uma pessoa idosa sentada na sala de sua casa e parece estar refletindo; do lado direito alguém parece atiçar o fogo da lareira e, no centro do quadro, uma grande escada em espiral eleva-se para o andar de cima, mas os últimos degraus dessa escada terminam em completa escuridão. Dessa maneira, é como se a parte do Consciente estivesse ali representada pelo homem refletindo iluminado pela luz que vem da janela, o Pré-consciente retratado nas ideias sendo atiçadas junto ao fogo da lareira envolta em penumbra, e, ao centro, uma escada conduzindo misteriosamente à enorme escuridão do Inconsciente. Todo o quadro produz no espectador um desejo praticamente incontível de subir os degraus dessa escada, um desejo de buscar, descobrir os sentimentos mais ocultos na escuridão do Inconsciente.

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Tormentas e delírios

O terceiro pintor que citarei, também holandês, dispensa introdução, trata-se de VanGogh. Sofria de episódios psicóticos e alucinações, sua pintura é caracterizada por pinceladas que trazem uma enorme expressividade ao serem onduladas e pontuais, gerando um grande efeito de mobilidade em suas obras. Através da pintura buscava refúgio para sua mente conturbada onde loucura e arte andavam lado a lado. Caso Freud tivesse a possibilidade de tratá-lo, com certeza obteria resultados favoráveis, no entanto, Van Gogh se mata com um revólver no meio de um campo de trigo em 1890, quando Freud iniciava seus estudos e empreendia sua jornada rumo à criação da Psicanálise. Particularmente fortes são seus autorretratos, mostram suas emoções mais profundas em diferentes épocas, sujeito às mais diferentes privações.

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Um velho novo mundo por se redescobrir

Citei três pintores, muitos outros podem ser citados, toda a História da Humanidade por ser vista e revista sob o olhar da Psicanálise.