ARTHUR BLADE

Laranja Mecânica é um livro do romancista inglês Anthony Burgess publicado em 1962. Narra a história de Alex, um adolescente que, com sua gangue, pratica atos de violência, mais precisamente ultraviolência. Depois de certo momento onde é traído por seus parceiros, ele é preso. Na prisão passa a se comportar falsamente de maneira adequada e a ele é proposto um tratamento chamado Método Ludovico, no qual seu livre-arbítrio é removido. Assim ele volta à sociedade onde pensa que irá viver normalmente. Todavia, ao se reencontrar com as pessoas a quem praticou muitos atos de violência, se vê incapaz de revidar e é levado quase à morte, ao tentar se suicidar para escapar da dor que o Método Ludovico promove ao se ver frente a atos de violência. Para não ter uma repercussão negativa na mídia por conta do método inadequado utilizado na prisão, as autoridades do Governo propõem à Alex que silencie em troca de um bom emprego. Alex aceita, o método é revertido, ele volta à sociedade e, com o passar do tempo, desiste dessa vida de violência e torna-se uma pessoa capaz de lidar com seus próprios instintos.

A ultraviolência de Alex – O Id sem freios

Em termos psicanalíticos, no início Alex não recalcou nenhum de seus instintos sexuais ou de violência ditados pelas pressões e desejos de seu Id, tudo se traduziu e se exteriorizou em atos de violência totalmente desenfreados. Sem controle nenhum, Alex permite que suas vontades sejam satisfeitas, não importando os meios ou métodos para se chegar à elas. O controle só se faz na medida em que suas ações não podem ser descobertas pois, do contrário, a sociedade teria que prendê-lo. Dessa maneira ele se torna um delinquente que comete seus atos às escondidas e muitas vezes mascarado.

A grande armadilha do narrador em primeira pessoa

Este livro é escrito em primeira pessoa, ou seja, o narrador é o próprio Alex, o sujeito que executa as mais diversas atitudes não aceitas pela sociedade. Livros escritos dessa maneira podem ser especialmente ardilosos pois o próprio personagem central, narrando sua própria história, pode distorcê-la ou encaminhá-la da maneira que achar melhor para justificar suas atitudes. O personagem Alex, ao narrar sua história e seus atos, também mostra como é inteligente, como tem um gosto apurado e erudito pois é apaixonado pela Nona Sinfonia de Beethoven, e além disso, ao lidar com os outros personagens, também aponta seus lados fracos e hipócritas, isso tudo coloca o leitor de certa forma ao seu lado. E é nesse ponto que vamos identificar o Ego de Alex, um Ego que trabalha para justificar suas ações sem se importar com o Superego. Ele é extremamente ardiloso e perspicaz ao articular os meios para se desvencilhar de um Superego dominante. Seria um paciente extremamente difícil de se lidar em uma análise, uma vez que poderia articular suas respostas e associações livres para servirem como justificativas para seus atos.

O Tratamento Ludovico

Depois de preso, Alex passa a frequentar a biblioteca da capela e até simula um comportamento de prisioneiro exemplar, no entanto, para saciar de alguma maneira seus desejos interiores, continua a imaginar em sua mente os atos de ultraviolência que sempre fazia. Dessa maneira, fingindo-se recuperado e arrependido, consegue participar do programa do Tratamento Ludovico que seria experimentado na prisão. Esse método, o qual consiste em provocar dor física e enjoo perante atos de violência, resulta em aniquilação do livre-arbítrio da pessoa. O que ele promove é um Superego artificial absoluto para Alex e transforma o Ego em algo incapaz de ação. Uma absoluta ditadura do Superego. Como o personagem era incapaz de se submeter às normas morais básicas da sociedade, incapaz de se moldar as exigências mínimas de relacionamento e postura frente às outras pessoas, o tratamento deixa de fora o Ego, reprime completamente o Id e instala um Superego artificial. Tratamento absolutamente desumano pois elimina do personagem o instinto de autopreservação, o instinto de autodefesa, enfim, retira a possibilidade de decidir amplamente sobre seu próprio destino.

Livro versus filme

Quando o livro se tornou filme, pelas mãos do diretor Stanley Kubric, criou-se um dilema entre o cineasta e o escritor Anthony Burgess. Na versão do livro lançada nos Estados Unidos, o editor conseguiu convencer o autor de que o último capítulo não seria interessante para o público da América, e assim foi feito. Acontece que nesse último capítulo, o personagem volta para a sociedade, passa a trabalhar e, com o tempo, desiste da vida ultraviolenta que praticava, enquadra-se de certa forma ao mundo e passa a querer até a formar um família e ter filhos, ou seja, o personagem equilibra ao final suas potencialidades para trabalhar e amar. Todavia, foi a versão do livro nos Estados Unidos que o cineasta Stanley Kubric usou, ou seja, o filme termina com o personagem Alex recuperado do Tratamento Ludovico e disposto a voltar completamente para sua vida anterior de delinquência e ultraviolência. Assim, o filme não permite que o personagem, após toda a vivência por que passou, restabeleça um Superego que, intermediado pelo Ego, passe a atuar de maneira adequada para ele poder retornar à sociedade sem agredir ninguém nem a ele próprio.

Um delicado e complexo exemplo de arte

O filme levou o livro para o mundo todo sem o último capítulo, tornando-se assim um delicado exemplo de arte que pode, indiretamente, incitar a violência em muitas pessoas pois ele não tem um final moralizante sobre o personagem principal. As relações do Superego e do Id não se fazem de maneira adequada pelo Ego ao final do filme, pelo contrário, tudo volta ao estágio inicial de Id completamente desenfreado, com um Ego talvez até mais ardiloso.

Ontem e hoje

O filme foi lançado em 1971, para a época foi um filme extremamente violento. Todavia, se o observarmos hoje, veremos que é pouco explícito e se vale de efeitos para simular a violência, sem mostrá-la efetivamente. Na sociedade de hoje temos a possibilidade de estar próximos à violência e atos de agressão a qualquer hora do dia, quer seja pela televisão ou pela Internet. Todas as pessoas e crianças estão sujeitas a um verdadeiro bombardeio de informações e imagens extremamente negativas. Será que temos uma sociedade mais violenta hoje ou será que estamos vivenciando um processo de evolução negativa? Qualquer que seja a resposta, estamos em um momento onde é cada vez mais difícil e complexo chegar àquilo que Freud definiu como o objetivo final da Psicanálise, tornar a pessoa apta a trabalhar e a amar.